No Brasil, 70 anos depois desse episódio, um novo exército com mais de 44 mil pessoas também se envolverá em uma batalha, no verão de 2015, na linha de frente contra o mal e a desesperança, e contará com mais de um milhão de apoiadores. Mas qualquer analogia entre o famoso Dia D e a Missão Calebe termina aqui. Há diferenças cruciais em outras comparações. Enquanto os soldados aliados usavam armas e bombas, os voluntários do projeto usam Bíblias, ações comunitárias e agora aplicativos de redes sociais. Os soldados pretendiam terminar uma guerra; os calebes estão participando de um conflito que já dura milênios e deve ter seu desfecho em breve.
Há dez anos …
A origem da Missão Calebe é contada a partir de Cordeiros, cidade baiana com 7 mil habitantes, a 662 km de Salvador. Foi deste município que partiu a ideia de reunir jovens estudantes para um projeto radical de evangelismo: trocar as férias por trabalhos comunitários e missionários. “Para muitos, o plano parecia uma loucura. Mas nós queríamos dedicar os primeiros dias do ano novo para Deus”, afirmou a voluntária Estatielma Caires, que teve a ideia com dois amigos.
A primeira turma reuniu 26 jovens de várias igrejas e a doação de alguns quilos de alimentos. A vontade de fazer a diferença levou os missionários, no começo de 2006, para Guanambi, BA, a 796 km de Salvador. “Foi surpreendente! Jovens que estavam espiritualmente desanimados encontraram um propósito para a vida e para o exercício da fé”, relembra a pioneira do projeto.
A iniciativa desses jovens chamou a atenção da liderança da Igreja Adventista. Logo o projeto foi abraçado pela organização, propondo que a juventude nordestina trocasse as férias pela evangelização e pelo serviço ao semelhante. E foi essa conexão entre a compaixão pelas pessoas e o propósito missionário que tem levado milhares de jovens do nosso subcontinente a se apaixonar pelo projeto.
“Estamos vivendo tempos revolucionários”, afirmou, em artigo recente na Revista do Ancião, o pastor Areli Barbosa, coordenador do projeto para oito países sul-americanos. “Os combatentes desta época são os jovens. Eles buscam um modelo de liderança para seguir e uma bandeira para abraçar.”
As palavras do pastor Areli encontram base em uma surpreendente estatística. Prestes a completar dez anos de movimento, a Missão Calebe consegue arregimentar anualmente quase 100 mil jovens sul-americanos dispostos a doar o tempo de férias escolares para salvar e servir. É um gesto que se materializa em limpeza de ruas, reforma e construção de casas, doação de sangue, ensino gratuito de idiomas,organização de atividades recreativas para crianças e outras iniciativas que encantam as comunidades.
Conectados
Esse espírito de doação e solidariedade é uma das características marcantes da juventude atual. Para isso, eles contam com recursos da tecnologia e da comunicação móvel, que dão a eles a sensação de poder mudar a realidade à sua volta. Uma pesquisa do Ibope para a Fundação Telefônica, divulgada recentemente, revelou que 70% dos jovens brasileiros fazem tudo na rede com a ajuda do celular. Mais que isso: os jovens têm se engajado cada vez mais pela web. Os dados mostraram que um em cada três jovens brasileiros conectados à internet usa a web em mobilizações sociais.
O perfil dessa juventude pode ser personalizado em voluntários como o baiano Diego Trindade. Formado recentemente em Direito, ele participou por três anos da Missão Calebe. Diego usa as redes sociais para mobilizar a juventude e convencer os jovens a se dedicarem a esse compromisso missionário. As redes são um meio de reunir jovens como a sergipana Lícia Silva de Carvalho, 20 anos, estudante de Medicina. Em sua primeira experiência como missionária, ela e mais quatro jovens foram a Paripiranga, cidade baiana sem presença adventista, vizinha a Sergipe, a 366 km de Salvador. Hoje existe uma igreja adventista nesse município. “Dedicar as férias para Deus e ver um resultado como esse é algo que não tem preço”, afirma Lícia.
O poder das conexões sociais pela web motivou a sede sul-americana da Igreja Adventista a lançar um aplicativo da Missão Calebe. Conhecida como Terra de Calebe, a primeira rede social adventista nasceu na plataforma mobile oferecendo vários meios de interação entre os voluntários da campanha. Eles podem acompanhar dados e compartilhar fotos e notícias, além de conhecer pontos da Missão Calebe espalhados pelo país. “O grande diferencial desse aplicativo é que ele conecta os calebes não só nas férias, mas também durante o resto do ano”, disse o gerente de estratégias digitais da denominação, Rogério Ferraz. Com o aplicativo, os calebes continuarão a ter experiências transformadoras na vida real e poderão compartilhar suas impressões e mobilizar novos voluntários por meio de uma ferramenta virtual.
Movimento missionário
O investimento da Igreja Adventista nessa experiência missionária da juventude tem levado a respostas impressionantes para outros desafios. Em 2011, a sede mundial delegou ao Ministério Jovem e ao Serviço Voluntário Adventista a criação de um projeto evangelístico de um ano inteiro, inspirando os jovens a dedicar esse período indo morar em outra cidade para lançar as bases para o surgimento de uma comunidade adventista. Foi dessa experiência que resultou o projeto Um Ano em Missão. Na América do Sul, 19 jovens sul-americanos foram a Montevidéu, capital do Uruguai, com o desafio de plantar duas congregações em 2014.

Entre os jovens estava Estatielma, pioneira da Missão Calebe. Ela foi escolhida em um momento especial de sua vida, quando se preparava para o casamento. Em conversa com o noivo, Leonardo Alves da Silva, resolveram adiar o casamento para depois do projeto. “A experiência foi incrível, porque senti o cristianismo na prática, sendo desafiada a aprender um novo idioma e me adaptar a uma nova cultura, e ainda assim pude testemunhar milagres de Deus acontecendo todos os dias”, disse Estatielma. Encerrada a experiência, ela conseguiu, enfim, realizar o sonho do casamento, no dia 30 de novembro, em uma bela cerimônia à beira-mar, em Porto Seguro, BA. Depois de mais um sonho realizado, Estatielma está pronta para voltar a se envolver em campanhas evangelísticas. “Vou continuar na missão, agora com uma família.”
Heron Santana é assessor de comunicação da Igreja Adventista para Bahia e Sergipe

