Roy E. Graf
Desde os primórdios, os pioneiros adventistas compreenderam a importância da doutrina bíblica do santuário celestial como um elemento central na estruturação de seu sistema de crenças. Nas palavras de Ellen White: “O assunto do santuário […] revelou um sistema completo de verdades ligadas harmoniosamente” (O Grande Conflito [CPB, 2021], p. 358).
De fato, ela e outros pioneiros reconheceram que a doutrina do santuário contém implicações fundamentais para a missão da igreja, como a proclamação da verdade presente sobre o santuário celestial, destacada nas três mensagens angélicas de Apocalipse 14:6-12.
Por reconhecerem a centralidade dessa mensagem para a missão da igreja, os pioneiros enfatizaram a instrução doutrinária daqueles que se tornariam adventistas. Isso envolveu uma ênfase particular no santuário, no juízo investigativo e no preparo para a segunda vinda de Cristo (P. G. Damsteegt, Foundations of the Seventh-day Adventist Message and Mission [Eerdmans, 1977], p. 295, 296).
No entanto, com o passar do tempo, alguns adventistas passaram a dar menos atenção ao papel do santuário como um fator fundamental que molda nossa compreensão da missão e orienta nossa atuação. Alguns imitaram abordagens missionárias cuja ênfase está quase exclusivamente em pessoas que tomam sua decisão por Cristo no início de sua experiência cristã, preocupando-se pouco com seu crescimento e discipulado subsequentes. Essa abordagem muitas vezes não enfatiza o compromisso significativo das pessoas com as doutrinas bíblicas e o estilo de vida cristão. Infelizmente, isso tem contribuído para que os novos membros, por vezes, não criem raízes profundas na fé adventista e se afastem dela com facilidade, além de gerar diversos tipos de frustrações na vida da igreja.
Santuário e missão
Como uma compreensão bíblica e adventista do santuário pode ajudar a mudar esse cenário? Como foi mencionado, os pioneiros articularam nossas crenças fundamentais em torno da doutrina do santuário. Creio que a atual compreensão e prática adventista da missão também devam ser articuladas a partir dessa perspectiva. O santuário ocupa o centro das três mensagens angélicas de Apocalipse 14:6-12, sendo que a primeira delas proclama o início da hora do juízo. Historicamente, os adventistas têm considerado essas mensagens como o foco de sua pregação. Então, de que maneira o santuário pode moldar a compreensão e a prática da missão?
A seguir, gostaria de destacar quatro aspectos: (1) o santuário molda a compreensão bíblica da salvação, a qual fundamenta a prática da missão e do discipulado; (2) o santuário molda o conteúdo da mensagem a ser proclamada; (3) o santuário molda a visão da igreja como a comunidade pactual, sacerdotal e missionária à qual os novos convertidos passam a pertencer; e (4) o santuário molda os eventos finais, os quais orientam a missão neste momento.
O santuário molda a compreensão bíblica da salvação
A abordagem adotada na missão está intimamente relacionada à maneira como a salvação é entendida. Na Bíblia, a compreensão da salvação é articulada em torno do que chamo de padrão relacional do santuário. O santuário é mais do que apenas uma estrutura física real no Céu; ele representa a maneira como Deus Se relaciona com o mundo. Por meio dessa estrutura complexa, o Senhor habita no Universo com Suas criaturas, recebe adoração delas e conduz o plano de salvação até sua resolução final.
Nessa estrutura, o santuário molda e manifesta a compreensão bíblica da salvação. A salvação requer um processo de expiação, ou seja, um processo pelo qual Deus busca reconciliar os seres humanos caídos consigo mesmo e erradicar o problema do pecado (2 Co 5:19-21; Ap 21:4, 5). Sob essa perspectiva, a expiação não se resume apenas ao que Cristo fez na cruz. Ela engloba todo o plano divino para eliminar o pecado.
Em nível individual, a aplicação desse plano de salvação também é um processo, e não um evento único, como algumas pessoas podem acreditar. Esse processo abrange, entre outras coisas, a justificação e a santificação. A justificação nada mais é do que o perdão divino (Rm 4:6-8), que é necessário de forma contínua e diária, toda vez que alguém peca (1Jo 2:1; 1:9). Esse perdão é obtido por meio da intercessão contínua de Cristo no santuário celestial (Mc 11:24-26; Jo 14:13). A justificação permite que o crente desenvolva uma vida de santidade, graças ao trabalho do Espírito Santo, enviado por Cristo do santuário celestial como Seu representante (Ap 5:6). Sem a justificação, não há verdadeira santificação (Rm 6, 8). Contudo, sem santificação, também não há verdadeira justificação (Cl 1:21-23).
Essa visão bíblica da salvação como um processo que, à luz do santuário, abrange tanto a recepção contínua do perdão divino quanto o crescimento em santidade, implica que a missão do discipulado também deve ser encarada como um processo (Cl 2:6). Não é correto concentrar-se apenas no fato de as pessoas aceitarem Cristo e serem batizadas; os novos membros também devem ser capacitados antes e depois do batismo. Assim como existe um processo de pré-perdão, que envolve o reconhecimento, o arrependimento e a confissão de pecados (Sl 51:4; Lc 18:13; At 2:38; 3:19; Sl 32:5), e um processo subsequente de crescimento em santidade e no estilo de vida cristão (Rm 6:22), o discipulado deve incluir a preparação pré-batismal e pós-batismal, a fim de apoiar esse processo de transformação contínua.
A atividade no santuário molda o conteúdo da mensagem
Entender a mensagem bíblica de salvação é fundamental para alcançar pessoas que não estão familiarizadas com seu conteúdo. A atividade de Cristo no santuário celestial articula o plano de salvação. Dessa forma, a obra de Cristo é um tema central no Novo Testamento (cf. At 5:31; Rm 8:34; Hb 7:25; 8:1; 1Tm 2:5; 1Jo 2:1; Ap 5:7, 8). Consequentemente, a atividade de Cristo no santuário deve moldar o conteúdo da mensagem proclamada pelo remanescente do tempo do fim (cf. Ap 14:6-12).
Se Cristo está intercedendo pelos crentes no juízo investigativo pré-advento, esse tema deve ser uma parte significativa da mensagem adventista. Assim, a missão adventista não pode ser compreendida apenas à luz da Grande Comissão em Mateus 28:18-20. Ela também deve ser entendida à luz da tríplice mensagem angélica (Ap 14:6-12), que constitui a verdade presente para este tempo.
Isso implica que o cumprimento da missão e o processo de discipulado devem incluir uma sólida preparação doutrinária dos novos membros, permitindo que cada pessoa entenda a mensagem do santuário e do juízo, a fim de assumir um compromisso consciente e prático com ela. No santuário celestial, Deus lida com pessoas que devem tomar decisões fundamentadas, não baseadas em sentimentalismo ou em explosões emocionais momentâneas. Portanto, não é surpreendente que o Novo Testamento destaque amplamente a necessidade de ensinar doutrinas e a centralidade da Palavra nesse processo (1Tm 4:13, 16; 6:3; 2Tm 3:15, 16; 4:2, 3; Tt 1:9; 2:1, 7).
O santuário molda a visão da igreja
Aqueles que aceitam a mensagem do evangelho tornam-se parte da igreja. A igreja é um templo espiritual, uma comunidade formada pelos habitantes espirituais do santuário celestial (1Co 3:16; Ap 11:1; 21:3) que estabeleceram um vínculo de aliança com Deus, pelo qual se comprometem a obedecer à Sua lei de amor (Jr 31:31-33; Ap 12:17; 14:12).
Os membros da igreja pertencem a uma comunidade sacerdotal e missionária, uma nação santa, cuja tarefa é “proclamar as virtudes Daquele que os chamou das trevas para a Sua maravilhosa luz” (1Pe 2:9; cf. Êx 19:6). Por meio dessa proclamação, em seu papel de sacerdotes missionários, eles atraem outras pessoas a Cristo, o Sumo Sacerdote do santuário celestial (Hb 8:1, 2), de quem recebem o poder para viver uma vida santa em obediência às exigências da aliança. O povo remanescente do tempo do fim se distingue por isso (Ap 12:17; 14:12).
Os fiéis já são, em certo sentido, cidadãos da nova Jerusalém e adoradores pertencentes ao seu santuário pela fé (Gl 4:26; Ef 2:18, 19; Fp 3:20; Hb 11:10, 16; 12:22; 13:14), onde Cristo os representa e é Seu precursor (Hb 6:20). Na nova Terra, os crentes habitarão na nova Jerusalém, considerada “o tabernáculo de Deus”, em cujo centro Deus e o Cordeiro continuarão a receber adoração por toda a eternidade (Ap 21:3; 22:3).
Nesse contexto, o batismo é um sinal de aceitação dos termos da aliança e de entrada na comunidade pactual, sacerdotal e missionária, assim como a circuncisão no Antigo Testamento era o sinal pactual (Cl 2:11, 12) de que alguém pertencia à comunidade sacerdotal e missionária de Israel (Êx 19:5, 6). Portanto, isso deve ser levado muito a sério. Aquele que é batizado expressa publicamente que deseja ser membro da comunidade, aceita os termos da aliança expressos nos mandamentos (Rm 6:1-6) e deseja ser um sacerdote missionário como parte do ministério de todos os crentes (1Pe 2:9). O sábado, por sua vez, é o sinal de permanência, continuidade e fidelidade aos termos da aliança (Êx 31:17; Ap 14:6, 7). Isso implica que quem aceita o batismo deve ser adequadamente instruído a respeito do compromisso que assume ao participar desse ritual.
O santuário molda os eventos proféticos que orientam a missão
Finalmente, a atividade do santuário molda os eventos proféticos que guiam a missão adventista. A atividade do santuário está intimamente relacionada à primeira vinda de Cristo (Dn 9:24-27; Gl 4:4) e à Sua segunda vinda (Dn 7:13, 14; Mt 25:31). A missão da igreja remanescente no tempo do fim (Ap 12:17) consiste em cooperar na preparação de um povo para a vinda de Cristo (Ap 14:6-12). Deus reúne a igreja em Cristo – o Cabeça (Ef 1:22, 23) e Sumo Sacerdote (Hb 8:2) –, assim como todos aqueles que aceitam pertencer à comunidade da aliança e integrar Seu sacerdócio missionário universal (Ap 1:6; 5:10).
Por sua vez, aqueles que se unem à comunidade da aliança assumem o compromisso de atuar como missionários onde quer que Deus os designe, “aguardando e apressando a vinda do dia de Deus” (2Pe 3:12). Em cooperação com o poder divino, o povo de Deus deve fazer sua parte para avançar na obra final da pregação do evangelho (Mt 24:14), enquanto Cristo conclui Sua obra no santuário celestial (Hb 9:28). Assim, as atividades do santuário fornecem a estrutura para os eventos finais e orientam a missão do remanescente dentro desse contexto profético.
Conclusão
No passado, o santuário desempenhou um papel central ao articular as doutrinas e a missão do adventismo. Contudo, nos últimos tempos, alguns têm priorizado a experiência inicial dos que estão sendo discipulados, em detrimento de seu preparo doutrinário e da formação de um estilo de vida cristão sólido. Essa mudança de ênfase acarreta o sério risco de a igreja perder sua identidade e diluir sua mensagem distintiva para o mundo.
Historicamente, o santuário promoveu a descoberta de que “a mão de Deus havia dirigido o grande movimento adventista” e revelou “novos deveres ao esclarecer a posição e a obra de Seu povo” (Ellen White, O Grande Conflito [CPB, 2021], p. 358). Agora, mais do que nunca, é necessário permitir que o santuário remodele a compreensão adventista de sua mensagem e missão, reafirmando sua relevância na preparação de um povo que se encontrará com Jesus Cristo. 
ROY E. GRAF é professor de Teologia na Universidade Adventista do Prata, na Argentina
(Artigo publicado na Revista Adventista / Adventist World de fevereiro/2025)
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