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Egoísmo disfarçado

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Escrito por A Redação

O perigo de amar para se exaltar e servir para ser notado.

Pablo Canalis

Miguel vivia uma nova fase em sua vida. Ele não estava acostumado a não ser o centro das atenções e das conversas. Agora, todos falavam sobre a nova integrante da família. Aquilo não fazia sentido na mente do menino que, após quatro anos de reinado absoluto, havia se acostumado a ser o dono de tudo.

Passados alguns meses, Lívia, sua irmãzinha, começou a dar sinais de que iria nascer. A correria para o hospital aconteceu na madrugada de uma sexta-feira chuvosa. Os pais deixaram Miguel com a avó materna, Amélia, que tinha vindo ajudar a família nas primeiras semanas após o parto.

Ele amava a avó. Ela era divertida, brincalhona e fazia sanduíches deliciosos. Naquela manhã, porém, surgiu um problema: os pais haviam saído às pressas e não havia pão em casa. Sem carro, Amélia procurava algo mais nutritivo para o desjejum, mas a despensa estava quase vazia. Tudo o que encontrou foram duas fatias de pão, um pouco de manteiga de amendoim e um restinho de geleia esquecida na geladeira.

Miguel observava atentamente enquanto a avó preparava para ele o sanduíche de amendoim e geleia. Curioso, perguntou: “Vovó, não tem para a senhora?”

Tranquilamente, Amélia respondeu: “Não se preocupe comigo, querido! O importante é você comer. Já, já eu preparo algo para mim.”

A mãe de Miguel já havia lhe dito várias vezes que ele precisaria aprender a compartilhar os brinquedos com a irmã e não poderia ser egoísta. O menino terminou o lanche pensando no que a avó havia feito. Era só um sanduíche de amendoim e geleia, mas, para ele, significava muito.

Vivemos tempos em que olhar apenas para si mesmo tornou-se quase uma regra. Frases como estas ecoam por todos os lados: “Você precisa pensar mais em si e menos nos outros”; “Não vale a pena se desgastar tanto; estão se aproveitando de você”; ou “Você faz tudo pelos outros, e ninguém reconhece!”

Embora possam ter fundamento, essas ideias podem nos levar a outro extremo: o de viver em função de nós mesmos. Então surgem as perguntas: Será que estão mesmo se aproveitando de mim? Será que, sem mim, vão conseguir? Ou será que, ao me fechar em mim mesmo, estou deixando de amar e de permitir que o outro cresça?

É verdade que há pessoas que agem movidas pelo amor genuíno, mas também existem aquelas que fazem o bem para controlar, e depois “cobram a fatura” pelo que fizeram.

O amor verdadeiro não escraviza, não exagera, não controla. Ele respeita limites e deseja o crescimento do outro. O amor educa, concede liberdade de escolha, sabe dizer “não”, “espera” e “sim” nos momentos certos e, com maturidade, também sabe respeitar o “não”, o “espera” e o “sim” dos outros. É preciso ter cuidado para não alimentar nosso egoísmo disfarçado de amor. Se nosso “amor” serve para nos colocar acima dos outros, então precisa ser reavaliado. A entrega de Cristo pela humanidade pecadora é o maior exemplo de amor verdadeiro. Ele Se ofereceu em sacrifício não para dominar, mas para libertar.

Amar e servir também têm limites; o limite do respeito e da consideração, que impedem o abuso e preservam a dignidade. Não alimentemos nosso egoísmo nem o dos outros. Não vivamos em busca de aplausos nem façamos o bem esperando algo em troca. Porque o amor que vem de Deus é o que se entrega e se satisfaz apenas em amar. 

PABLO CANALIS é médico especialista em Psiquiatria, pós-graduado em Medicina da Família e Comunidade

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A Redação

Equipe da Revista Adventista

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